segunda-feira, 30 de julho de 2007

Religião não se discute!

(Ou: A Peleja do Diabo com o Dono do Céu).

São Pedro usava, agora, um terno, muito elegante. Risca de giz, modelo italiano, com uma gravata vermelha (o símbolo do martírio). Tudo sob medida. Poderia passear entre nós sem chamar atenção. Sem asas, ou auréolas - é a modernidade, é a modernidade, dizia São Paulo, que o convencera a adotar o visual - o único que o denunciaria: o molho de chaves penduradas no cinto. Delas ele não abria mão, afinal, o próprio Senhor as deu, era o que sempre dizia.

Um estouro e o cheiro de enxofre subiu. São Pedro olhou por cima dos óculos e examinou de alto-a-baixo a figura que entrava. Não acha que carregou um pouco na maquiagem, Lúcifer?, perguntou, pelo que me contaram você já foi mais discreto. Águas passadas, meu bem, águas passadas. E essas, não movem moinhos. Lúcifer era a imagem do exagero, nos últimos tempos. Vestia uma calça preta que marcava o contorno das pernas, com uma blusa branca, com um decote tomara-que-caia, exageradamente, justa. Por cima, uma capa preta de fundo vermelho (o símbolo do pecado) que se prendia ao seu pescoço e aos seus pulsos. E o sapato. Um bico finíssimo, assim como o salto, que devia acrescentar uns 15 centímetros à sua altura. As unhas compridas e, também, vermelhas. No rosto, toneladas de cores. Ele orgulhava-se de ter inspirado as primeiras drags, com seu visual, adotado nos anos 60, bons tempos da revolução!

Todo-Poderoso tá aí?, tenho muito tempo prá perder, não! Já estava indo em direção à porta. Ouviu um pigarro. O que foi, criatura? São Pedro balançava as chaves. Ah, não, toda vez que venho aqui é a mesma coisa? Por que você não deixa logo a porta aberta? Já sabe que eu não tenho o menor pudor em mentir e vou passar no seu teste prá abrir a porta, mesmo. Pedro responde: Protocolo, camarada, protocolo. Pedro, quem diria... você virou um burocrata - dizia Lúcifer enquanto gesticulava afetadamente - de pescador, de peixes e de almas, bispo de Roma, homem de ação. Martirizado. Foi de cabeça prá baixo, não foi? E prá que criatura de deus! Prá virar um burocrata. Você nunca achou que os seus talentos estavam sendo desperdiçados por aqui? Não, porque eu tenho uma vaguinha, lá em baixo que... Vade retro, Satanas! Conheço os seus ardis, viu, serpente? Lúcifer batia com a ponta do pé no chão. Raivoso, mas, com cuidado para não quebrar o salto. Vamos ao protocolo? Vamos, concordou, torcendo a boca, o Coisa-Ruim.

Quem é o Senhor do céu e da terra?
A gente precisa passar por isso, mesmo?
Resposta errada! Quem é o Senhor do céu e da terra?
É o altíssimo, era Lúcifer quem dizia, o inominável para os judeus, Javé para os cristãos, Jeová para as suas testemunhas, Alá para os muçulmanos, - ía olhando para cima e fazendo caretas enquanto dizia os nomes e os contava nos dedos - Krishna para os hindus, Ogum-Iemanjá-Oxum-Iansã-e-outros-mais para os umbandistas, nada para os ateus, etc, etc, etc...
Viu, nem doeu nada. É só passar, agora. Ele já está lhe esperando. O réu, também!

Lúcifer - a voz que soava como trovão era muito familiar - belo, como sempre. Minha criação preferida. Nem tente me aliciar, meu bem. Estou ótimo lá em baixo. Só temos negócios em comum. Nada mais. Muito objetivo, também, como sempre. Tem coisas que não mudam nunca. Muito bem, vamos aos negócios, então. Por que você pediu a audiência? Por que eu não quero aquele ali comigo - disse e apontou, com o impressionantemente fino indicador direito para a figura que parecia não presenciar nada do que se passava com ele - o último ditador que morreu, aquele que foi enforcado, já está lá. Você não imagina o inferno que vira a minha vida tendo que lidar com o ego inflado dele. Mais um e eu vou criar um inferninho privado, hein? Aquilo vai virar um pandemônio. Eu trouxe a lista dos condenados e é só fazer uma comparação rápida, no último século, e a balança pende, e muito, para o meu lado. Por falar nas listas, Lúcifer, você achou o cantor das costeletas e topete que não estava na minha lista? Não, não achei. Na minha lista ele também não está. É, parece que ele não morreu.

Mas, voltando ao assunto, você não pode reclamar do último - soou a voz de trovão - foi um sorteio. E você concordou com as regras. Eu não tive escolha. Claro que teve. Minhas criações sempre as têm! Lúcifer suspirou fundo. Ok, ok. Mas, com esse eu não aceito sorteio, não. Muito bem. É um direito que lhe assiste. Tenho uma proposta, então: Vamos fazer um julgamento à moda antiga. Só se eu tiver direito a recurso. Combinado.

Pedro, compareça à sala de julgamentos, era o alto-falante. São Pedro se espantou. Fazia muito tempo que a sala de julgamentos não funcionava. Depois da informatização dos sistemas, no Céu, o defunto recém saía da terra e, antes de esfriar, já sabia quais as punições que iria receber na eternidade. Só podia ser um caso muito especial. Ele ficou tão atordoado que não lembrava mais, ao certo, qual era o procedimento-padrão. Não sabia nem se podia entrar na sala usando o terno, ou se tinha que trocar a roupa. Resolveu usar o visual tradicional, enquanto pegava o livro dos registros com uma mão e as chaves da sala com a outra. Entrou.

Onde está o seu terno-burocrata novo, Pedro? Você ficava muito mais elegante com ele, escarneceu Lúcifer. Sou obrigado a concordar com ele, Pedro, você estava muito melhor no terno. Perdão, senhor, perdão. Não precisa disso tudo. Bem, vamos realizar um julgamento, extraordinário, que fique claro, para decidir o destino daquele cidadão ali - novamente, o longo dedo de Lúcifer apontava para o pobre coitado, dessa vez, acompanhando a voz do Onipotente. Senhor, deve haver algum engano. Eu não tenho o registro dele no livro dos mortos. E eu lá sou de me enganar, Pedro. Quem foi que disse que o nome dele está no livro dos mortos? Procure no dos vivos. Lúcifer está segurando ele vivo para ele não ir lá prá baixo.

Ah, encontrei! - e ajeitando os óculos para leitura na ponta do nariz - Nome: Pavel Pastro. Profissão: Ditador de ilha caribenha. Boas ações: Educação de alto nível, desemprego baixíssimo, saúde pública de qualidade e desportistas bem sucedidos. Pecados: Censurou a imprensa, proibiu opositores, caçou desertores, condenou diversos ao paredón, nega a existência de Deus e, meu Deus, quanto ousadia, amigo e conselheiro de Vázquez, presidente do país vermelho (a cor da Internacional) da América do Sul.

Barbada! Inferno, fácil, fácil, disse São Pedro. Lúcifer, fazendo força para ignorá-lo, se volta para o Santo dos Santos. Não. Pro inferno, não - e se jogava de joelhos na direção em que vinha a voz - Eu apelo para o seu bom senso. Para a sua sabedoria. Não foi ela que você deu a Salomão? Pois bem. É prá ela que eu apelo. Pense bem. Eu já tenho comigo o chileno e o iraquiano. O iraquiano foi sorteio, lembre disso, e o chileno está dentro do rodízio. Eu fiquei com o paraguaio e com o iugoslavo. Mas, eu estou com o médico, o amigo dele, disse baixando a voz, parecia ter medo de acordar o outro. Já pensou se os dois se juntam e resolvem dar um golpe? Eu não daria muito tempo para as idéias dos comedores de criancinhas chegarem aqui em cima.

Pavel - soou a voz de trovão, novamente - Pavel Pastro, acorde, homem. O velho ditador abre os olhos. Estranha o lugar onde está e pisca forte. Percebe que nada vai sumir e coça a barba. Procura o quepe verde-lodo e se coloca na cabeça. ¿Dónde estoy?, falava em espanhol, afinal, falar em qualquer outra língua poderia ferir a soberania nacional. Você está na sala de julgamentos do paraíso, respondeu Pedro. ¿Y quién es usted? São Pedro, secretário-geral do paraíso. ¿Paraíso? No hay paraíso. ¡La religión es el opio del pueblo! - Sempre a mesma história - era Deus - Foi exatamente assim com Marx, Rosa Luxemburgo, Lenin, Stálin... sempre a mesma ladainha. Antes que você pergunte - todos perguntam - eu sou Deus. Não, não diga ¡No hay Deus!, porque existe, sim. E tá bem aqui, na sua frente. E você, Lúcifer, pare de copiar meus gestos - ele tinha a mania de imitar Deus quando ele usava esse tom autoritário.

A questão é simples, Pavel, você está muito doente. Prá falar a verdade, você não morreu ainda, porque a gente ainda não chegou a um acordo para decidir onde você deve ir. Resolvi lhe acordar prá saber a sua opinião. Vamos ver se ela pode ser levada em consideração no seu julgamento. Bueno, si así es... Pedro tomou a palavra. Senhor, como membro do Conselho para Assuntos de Interesse do Paraíso, é meu dever dizer que isso é muito perigoso - olhava Deus por cima dos óculos - Já imaginou o precedente que o Senhor está abrindo? Fica na tua, cafona, Lúcifer voltava a se agitar, deixa o homem falar. Quieto, Lúcifer. Pedro, você tem razão. É perigoso, sim. Ah, não, no meu tempo as coisas não eram assim. Palavra dada não se voltava atrás. Como mudam as coisas, hein, senhor? E eu achando que quem mandava por aqui ainda era o senhor... Por outro lado - a voz grave, novamente - nada como um pouco de perigo para tornar a vida mais animada, não?

Então, hombre, qual destino lhe parece mais adequado para você? Bueno, les decía que... ¡Rechazo ambos! ¡No quiero murir! ¡Muerte a los imperialistas ianques! ¡Muerte a los enemigos del pueblo!

Ah, não. Mais palavra de ordem eu não agüento! Deus e o Diabo em uníssono! Lúcifer olhou para cima. Como nos bons tempos, hein? Pode mandar de volta prá terra. No inferno, ele não entra! Pedro, devolve o homem. Aqui ele também não entra.

Enquanto gritava os seus Muerte, a imagem do ditador foi se desfazendo. Teve tempo de ver, ainda, Lúcifer girando sobre os saltos-altos para ir embora. E teve a certeza que reconhecia aquele gosto extravagante para maquiagem. Teria sido alguma noite da juventude em Habana?

Sí, sí... Aquella noche...

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Aos grandes amigos que encontrei (ou que me encontraram)!

Falar sobre amizade e sobre amigos é muito complicado. Eu, particularmente, sempre fico em apuros quando resolvo escrever sobre ou para alguém que gosto. Simplesmente porque as palavras que você puder escolher ainda lhe parecerão insuficientes. Pior. Elas podem parecer lugar-comum... podem parecer bregas, piegas.

Ah, as palavras. Essas imperfeitas palavras que, dentro das nossas imperfeitas línguas não conseguem, por maior que sejam os nossos esforços, traduzir o que sentimos. O que queríamos que as pessoas que nos são caras soubessem e sentisem.

Quer saber? Estão hoje, liberadas todas as belas palavras. Todas aquelas que queiram dizer "amigo, eu te amo", "amiga, a minha vida não seria a mesma sem você", "amigos, queridos, todos, tanto os quero que não tenho como expressar isso". Vale tudo. Das mais refinadas às mais simples. Das mais elegantes às mais "bregas". As melhores amizades serão aquelas que receberem as suas bregas palavras e as acharem lindas!

Grande será o amigo que, com as palavras que lhe dirigir, fizer com que as suas se percam. E quando você tentar encontrar outras, só encontrará a dos outros. Em especial, aquelas que dizem algo como: "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse Amor, nada disso me aproveitaria".

O AMOR que sinto por vocês e que sinto DE vocês, me faz ser mais. Nenhuma das palavras que eu aqui coloquei são suficientes. Nenhuma delas dá conta do AMOR que nos une e que nos faz querer estar sempre mais próximos!

Então, não posso ir embora sem dizer que tudo o que aqui está, está graças a: Luiz, Nise, Duda, Isabel e Maria Luíse (as graças que Deus me deu dentro de minha casa); Juliana, Rafael, João Victor, Débora, Raoni, Pablo, Hugo e Vítor (a família que encontrei fora de casa), Jeh Cabral, Myla, Jéssica, Cacau e Ivett (que eu amo tanto); Loa (que me faz sentir amigo sempre), Allysson (que me faz perder as palavras), Lu Longo (que provocou esse texto todo), Laís (que agora é universitária), Clari (que eu amo com toda a força), Mari (a minha menina), Luci (que me dá bronca e notícias sempre que necessário - e me ama e me apóia, também, claro - hehehe). Aqui, um abraço especial aos amigos da comunidade "EU ASSITO À TV SENADO". Hoje, estamos celebrando nossa amizade com uma troca de presentes reais. Como eu não pude tirar todos, aqui está o meu presente coletivo: Morana, Nádia, Rozina, Kika, Carla, Arcely, Eduardo Rise e Tony. Com vocês me divirto tanto, conversando sobre as Excelências. Aprendo tanto. Minha gratidão, meu tributo, minha homenagem, meu presente a todos vocês, viu? Acrescento aqui, Russa e Edu, que, apesar de não estarem na brincadeira, também são do coração.

De todos os amigos mais que especiais, uma eu preferi falar separado do grupo: Ké, minha hermanita amada, não há um só dia que eu passe sem lembrar de você, viu? Não sei se você vai ler isso aqui, não sei quando vou conseguir falar com você, mas, preciso deixar registrado, para todos verem, como é grande o meu amor por você, viu? Amo com toda a alma, como você mesma diz!

Enfim, abraços e beijos a todos!
Um grande dia do AMIGO!

quarta-feira, 4 de julho de 2007

BATISTIANA

"O que é isso, meu amor?
Será que eu vou morrer de dor
O que é isso, meu amor?
Será que eu vou virar bolor?"
(Arnaldo Batista)

Bolor!
Hein?
Mofo.
Eu sei que bolor é mofo.
Então?
Então, o quê?
Por que você disse "hein" quando eu falei que era bolor?
Porque eu queria saber porque é que tem mofo na minha unha.
Realmente. É uma boa pergunta. Não tinha pensado nela.
Não?!
Só um minuto - volta com uma escovinha - Pronto. Limpinha. Eu lhe aconselharia a limpar os pés todos os dias.
O senhor tá dizendo que eu não tomo banho?
Bom dia, senhor. Qualquer coisa, pode ligar e falar com a minha secretária.

São duas unhas, agora, doutor. DUAS!
Limpe com uma escovinha. E tome um banho, né, meu senhor?

Doutor, eu tou mofando...
Não está, não!
Doutor, os dois pés tão cobertos de mofo.
Hein?
É... Bolor
Eu sei.
Então?
Deixa prá lá.
Doutor, o que eu faço?
Como é a sua relação com os bens materiais?
Como é?
Isso... a sua relação com os bens materiais.
O senhor está brincando comigo.
Não, falo sério. O senhor conhece Arnaldo Batista?
tu-tu-tu
Alô... Alô...

Então, doutora, as minhas duas pernas estão cheias de mofo e o médico perguntou se eu conhecia Arnaldo Batista.
Ele perguntou isso?
Perguntou, doutora.
Esse é o meu ex-marido.
A senhora conhece ele?
Eu era casada com ele.
Pois é, doutora, com todo o respeito, eu acho que ele é doido.
Claro que é. Foi por isso que eu me separei dele. Se, ao menos, a música fosse da Rita Lee, mas, ele insiste que o Arnaldo é melhor que a Rita...
tu-tu-tu
Alô...

Pois é, a casa é uma maravilha.
Ah, é verdade, estou gostando muito. Muito ampla, ventilada.
Sim, sim. O antigo dono gostava muito dela.
E por que ele não está mais aqui?
Ele enlouqueceu, coitado. A família quer se desfazer da casa... sabe como é... briga por herança, essas coisas...
É uma pena. Bom... desgraça de uns, felicidade de outros, não?
Claro que sim.
Bom, acho que a gente pode fechar o negócio.
Só tem uma ressalva que eu queria fazer. Talvez eu perca o negócio por causa disso, mas, eu tenho que dizer.
Tem que ser algo bem sério, hein? Prá me fazer desistir, agora.
É o quarto lá de cima.
O que tem ele?
A parede oposta a janela.
Sim.
Amanhece o dia coberta de bolor?
Hein?
Mofo.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

O macho comunicador

(Para alguns amigos que discutiam o falo, outro dia. Garotas, cuidado com o que ouvem de bocas masculinas. Muito disso são falácias do/a falo/a)


Eu falO

Tu falO

Ele falO

Nós falO

Vós falO

Eles falO


Nesse poema fálico

Escrever

O monólogo possível

O discurso invisível

Entreter

O destino fático.


(Você está me entendendo?)