domingo, 3 de maio de 2009

Para Francisco

Cena 1 - RUA MOVIMENTADA – EXT/DIA


Cristiana caminha pela calçada de uma rua movimentada. Tem uma expressão preocupada, mas, de vez em quando, dá um sorriso. Ouvem-se os barulhos do trânsito e de pessoas que passam ao lado dela.

CRISTIANA
(off)

Preciso lhe dizer, Francisco: que, quando você aprender o que é pai, vai ter que aprender o que é morte; que a morte é a única certeza da vida, embora a gente passe a vida inteira fingindo que ela não existe; que às vezes a vida inteira pode durar apenas 38 anos; que o mais importante é ter vivido 38 anos muito bem vividos.

Entra em uma farmácia

Cena 2 – FARMÁCIA – INT/DIA

Cristiana dirige-se a um atendente no balcão. Enquanto fala com o atendente e enquanto aguarda, bate com os dedos no vidro do balcão.

CRISTIANA

Oi, você pode me dar um teste de gravidez, por favor?

O atendente sai de cena e volta com o teste e o entrega a Cristiana.

CRISTIANA

Obrigada.

Cena 3 – RUA MOVIMENTADA – EXT/DIA

Cristiana caminha pela mesma rua da primeira cena, na direção contrária. Ouvem-se os barulhos do trânsito e de pessoas que passam ao lado

CRISTIANA
(off)

Preciso lhe dizer, Francisco: que a vida não é sempre alegre ou triste: existe alegria na tristeza, tristeza na alegria.

Cena 4 – CASA DE CRISTIANA – INT/DIA

Cristiana segura o teste de gravidez enquanto espera impaciente. Olha o relógio de pulso. Balança o teste no ar e para de repente.

CRISTIANA

Ai, não pode fazer isso.

O teste vai ficando azul e Cristiana não consegue se conter de felicidade. Começa a gritar e pular. Pega o telefone e o joga em cima do sofá pouco depois. Chora, emocionada e ainda sorrindo. Os sons da casa continuam sendo ouvidos enquanto Cristiana fala em off.

CRISTIANA
(off)

Preciso lhe dizer, Francisco: que quando o teste de gravidez deu positivo, antes de parar pra pensar, eu sorri; que depois de parar pra pensar eu continuei sorrindo; que eu continuo sorrindo até hoje; que você me fez querer brincar de novo.

Cena 4 – TELA PRETA

Não há nenhum ruído. Somente se ouve a voz de Cristiana.

CRISTIANA
(off)

Preciso lhe dizer, Francisco: que você fez o seu pai voltar a ter planos; que ele tinha adiado as férias para quando você nascesse; que eu não poderia ter escolhido alguém melhor com quem ter um filho – e ele me dizia a mesma coisa; que eu sempre tive medo de o seu pai morrer; que é horrível ver acontecer justamente aquilo que a gente teme.

Ouve-se um choro de um bebê com cerca de 6 meses e a tela fica branca.

CRISTIANA
(off)

Preciso lhe dizer, Francisco: que você salvou a minha vida.



Para Francisco é uma das coisas mais lindas que li nos últimos tempo. Uma mãe que, movida pela urgência de apresentar um pai ao seu filho, antes que as suas histórias fiquem perdidas na distância. Cristiana Guerra diz ao filho que ele deve ler as história que ela escreveu como quem assiste a um filme. E, em todos os momentos, enquanto a lia, eu via um filme. Uma história bela e contada de maneira muito sutil, sem querer lembrar a todo momento que surgiu de uma tragédia. Para Francisco começou blog (www.parafrancisco.blogspot.com) e virou livro. Por que não atravessaria a fronteira para o cinema?