domingo, 11 de fevereiro de 2007

ELA

Ela sabia que ele iria embora. E não queria deixar. Lutava com todas as suas forças para que ele não quisesse ir. Mas, era inevitável. Soubera isso desde a primeira vez em que o sentiu dentro dela. Sabia que ele se entregaria violentamente. Que se deixaria abusar, ter as carnes rasgadas cada vez que ela o sentisse entre suas pernas, que seria abusada. Ela sabia tudo isso.

Todas as vezes que estiveram juntos sentiu a urgência com que o seu corpo exigia que o dele estivesse lá. Queria sentir o suor que lhe escorria pingando em seu rosto. E o sabor de seus suores misturados. Guiar sua mão até que tocasse sua alma. Sentí-lo onde achava jamais sentiria. Onde nem sabia que existia prazer. Mas ele sabia. Tocava-a com uma maestria que a fazia, muitas vezes, duvidar se ela conseguiria fazer melhor.

A ponta de seus dedos em seus mamilos e, de lá, deslizando suavemente pela sua barriga e chegando aos seus pêlos. Lá se sentiam à vontade. Como se estivessem em sua terra pátria. Como se apenas assim atingissem seu objetivo último. Moviam-se e acertavam em cheio o que lhe pediria caso conseguisse verbalizar o que quer que fosse. A língua passeava pela sua boca, tocava seus dentes, sua língua, seus lábios; e de lá saía. Rondava-lhe o rosto e provocava arrepios que quase a faziam gritar quando chegava ao seu ouvido. Inundava-a com a sua saliva e com os sons do seu prazer.

Abria os olhos enquanto era beijada. Queria vê-lo. Queria conservar a feição dele enquanto a tomava. Os olhos fechados sempre e um meio sorriso nos lábios. A barba por fazer que sempre arranhava a pele e os cabelos que lhe pendiam da testa enquanto estava sobre ela. E era sempre assim. Essa imagem se repetiu em sua frente todas as noites dos últimos 489 dias. E em outros momentos também. Fechava os olhos e via.

Não. O seu corpo não agüentaria ser abandonado. Suas coxas não se acostumariam à falta dele. Suas unhas precisavam de suas costas. O seu gozo não viria sem o seu dono. E cada vez que ele saía era como o prenúncio da partida final. Não podia deixá-la. Não podia deixá-lo ir. E ele não dizia nada.

O pior é que ele não falava nada. A não ser para reclamar de seu silêncio. Ela gritava o tempo todo. Mas, ele não a ouvia. O relacionamento deles estava condenado à mudez. Os discos dele estavam sempre tocando. Talvez por isso ele não a ouvisse. Ou não prestasse atenção ao que dizia.

E ela quis dizer tanta coisa. Quis falar do desejo. Quis falar do prazer. Quis falar do coador de café que estava ficando cada vez mais imprestável por causa da borra que ele deixava juntar. Quis falar dos frutos que eles poderiam, juntos, colher. Quis falar do filho que, por ele, abrira mão. Simplesmente para continuar sentindo o seu gozo a invadí-la. Simplesmente para que não parasse de tocá-la. Para que não a trocasse por nada.

E ele não lhe deu ouvidos. Ele nunca lhe deu ouvidos. E iria embora.

Juntou os discos que tanto odiou ouvir nos últimos 489 dias. Ela ficaria sem ele. Ele ficaria sem a voz dela que julgava ouvir através dos malditos discos. Queria atirá-los todos pela janela. Resolveu não fazê-lo. Levaria todos. Não lhe deixaria nada. Negaria toda e qualquer lembrança dela que ele quisesse ter, assim como ele lhe negara o direito de amar um homem e de ser amada por ele.

Olhou uma vez mais para o apartamento. Percebeu que ía sem sofrimento. A dor de não tê-lo era incomparavelmente menor que a de ver que os últimos 489 dias foram passados sob um homem que era seu objeto. E que lhe fizera objeto. Demorou até que notasse que não era isso que queria dele. Mas, o que queria, ele não podia lhe dar.

Saiu pisando lentamente como se para evitar que o barulho dos seus passos ainda ecoasse quando ele voltasse. Fechou a porta. Duas voltas com a chave na fechadura.

Estava feito.
Virou-se para a escada e sorriu. Nem em seus pensamentos mais íntimos conseguiria encontrá-lo novamente. Sabia disso. E estava feliz!

7 comentários:

FELICIDADEetrist... disse...

Uaaaau, hombre!
O clima do texto ficou muito bom. Vc sabe o tom. Parabéns mais uma vez!
Bjs com SAUDADES DE TU, TATU!

Lu

Anônimo disse...

Depois de ler palavras que tanto sugerem,o que dizer??
O autor está com os sentidos a mil e não vai mais conseguir calar seus ecos mais escondidos...

Nota dez!

Fer-Nando Cabral disse...

Vamo manter o ritmo!

Ju Azevedo disse...

Li.

FELICIDADEetrist... disse...

Oooooi!
Eu que te amodoro, homem!!
Vai mergulhar por mim já! Acredita que aqui tá quase chovendo??
Veremos se na praia tb vai acontecer isso no feriadão... Se acontecer, vi molhar minha fantasia!! Hahahahahaha!
Bjs!

Lu

FELICIDADEetrist... disse...

=vai molhar

Fer-Nando Cabral disse...

Vamos para novidades: