(Atenção: Este é o epílogo de uma história em 7 partes. Para um melhor aproveitamento da leitura, recomendo a leitura do seguinte post que traz os links paratodas as partes da história da nossa heroína - Camila)
São, São Paulo meu amor
São, São Paulo quanta dor
São oito milhões de habitantes
De todo canto em ação
Que se agridem cortesmente
Morrendo a todo vapor
E amando com todo ódio
Se odeiam com todo amor
São oito milhões de habitantes
Aglomerada solidão
Por mil chaminés e carros
Caseados à prestação
(São, São Paulo – Tom Zé)
--A noite estava terminando para ele. Já desfrutara a vista e a cozinha do Itália. E estava revigorado. Sempre tinha essa sensação quando ía lá. Era o seu lugar preferido quando estava triste. Sentia-se mais perto do céu. Ou quarenta e quatro andares mais distante dos homens. Não sabia ao certo o que era mais importante naqueles momentos. Mas, sempre funcionava.
--Não conseguia mais suportar a pressão da vida na cidade. Nada a fazia diminuir. Tinha a impressão de ser observado em todas as suas atitudes e em todos os lugares por onde passava. Andando pela Paulista sentia-se acompanhado por cada uma das janelas de cada um dos edifícios. Eram como monstros imensos, com milhares de olhos, dispostos a devorá-lo no primeiro movimento errado. Nunca dizia isso a ninguém. Nem o seu analista conhecia esses delírios com os prédios da Paulista. Era louco e infantil demais. Jamais assumiria.
--Enfrentava esse terror entrando num dos monstros mais aterrorisantes. O mais alto de todos. E com um fetuccine com lagosta como só havia no terraço do Itália.
--Já voltava para o interior do restaurante quando ela quase o derruba com uma pressa desesperada como a que ele nunca vira. Mil desculpas, disse ela, e, sou uma desastrada, nunca consigo ver as pessoas quando ando apressada e acabo provocando acidentes. Viu que ela lutava contra uma lágrima que dava mostras de que venceria a batalha e rolaria a qualquer momento.
--Ela foi até a borda da sacada. De lá olhava para o nada enquanto abandonava a luta contra as lágrimas. Foi até ela.
--Ela sentiu a aproximação dele. Falou algo sobre não ter nada além das desculpas para oferecer-lhe. E ele sentiu a sua fragilidade ainda mais patente. Perto dela, ele era como a torre do Itália. Não se concentrava mais no que ela falava, mas, conseguia enxergar os motivos para que aquele encontro estivesse acontecendo. Ela pediu-lhe um cigarro. Ele parara de fumar anos antes.
--Ela chorava mais, à medida que conversavam. Nem sabia se era conversa. Era muito mais um monólogo. Ela falava e ele colocava, em meio às suas desgraças, um ou outro barulho para indicar-lhe que prestava atenção ao que ouvia. Disse-lhe seu nome: Camila.
--Então ela falou o que ele precisava ouvir. Falou que não conseguia mais viver sem ele. Aquele maldito filho da puta que sempre a deixava prá depois. Que sempre tinha que estar com a mulher e com os filhos. Aquele maldito filho da puta que, agora, tinha que dividir com outro. As mãos e os carinhos do amante eram, agora, divididos com outro.
--O seu cérebro demorou um pouco até entender o que tinha acabado de ouvir. Não era possível. Mas, só podia ser. Tinha que ser. Era ela. Era com ela que sonhara em noites de intenso ciúme. A mulher, os filhos, a outra, o outro. Não. Não tem como ser coincidência. Sonhou com esse encontro desde que o conheceu. E agora, ele acontece. Sem planos. Sem script.
--E ele a amou. Impressionantemente, a amou. Sentia junto a ela o peso de trair. Sentia junto a ela a dor de ser abandonado e de ser trocado. Sentia junto a ela, lembrou-se de Kundera, a insustentável leveza de não ter ninguém para olhar por si.
--Mas, não sabia muito bem o que fazer. Procurou uma desculpa qualquer. Encontrou-a. Proferiu-a e a deixou sozinha no terraço.
--Saiu do edifício atordoado. Não sabia o que fazer. Não sabia como lidar com o que estava sentindo. Não esperava amá-la daquele jeito. Mas, amou-a.
--Não teve mais descanso. Voltou ao Itália todas as noites depois daquela. Passava horas no terraço, olhando para baixo, como se fosse possível identificá-la lá de cima.
Mas, a espera valeu à pena. Ele sabia que ela voltaria.
--Passou correndo por onde ele estava. Não o viu, tinha certeza. Parou bruscamente. Contemplava o infinito como da primeira vez. Ela veio para completar o que deixara incompleto naquela noite. O ar angustiado era demasiado claro em seu rosto.
--Ela o viu. Mais uma vez, sabia o que ela sentia. Sentia a segurança que a sua presença lhe dava. Sentia que percebê-lo a contemplá-la a havia feito bem.
--Levantou-se e caminhou em sua direção. Quanto mais próximo mais o vento aumentava. Era como se alguém quisesse impedí-los. Caminhou decidido. Não podia mais voltar atrás. Viu o sorriso em seu rosto. E empurrou-a. A surpresa não a deixou reagir. Não ouviu os sons da queda.
--Estava em paz. Como há muito não sentia. Como nem tinha certeza se era possível sentir-se. Voltou ao restaurante. Olhou para o fetuccine e não o quis mais. Pediu a carta de vinhos. Escolheu um e pediu ao maître que escolhesse o prato que o acompanharia.
--Foi para casa e deitou. Dormiu o sono mais tranqüilo dos últimos anos. Sem que ela o viesse perturbar em seus sonhos de ciúme.
--Descansou!
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00000000000000Rubros abraços a todos!
000000000(a zeladoria manda beijos e abraços também... rsrsrs...)