quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Toda Nudez Será Premiada!

Acordou, como todos os dias. Como todos os dias, também, ajoelhou-se ao lado da cama e fez suas orações matinais. Agradeceu a Deus por estar vivo, pelo café-da-manhã que ainda tomaria, pelo emprego para o qual ainda não se dirigira. Terminada a lista de agradecimentos, leantou e deirigiu-se ao banheiro.
Conferiu o próprio rosto no espelho. As olheiras haviam aumentado consideravelmente desde ontem. Pegou o barbeador elétrico e começou a aparar a barba que cultivava desde os 25 anos de idade. Terminou. Escova e pasta de dentes. Três bochechadas no lado direito. Três no esquerdo.
Foi até a parada do ônibus. Olhou o relógio. Faltavam dois minutos e meio. Preciso. Subiu no ônibus. Nada de lugares para sentar. Ficou em pé, ao lado da senhora com cara (e cabelo) de poodle de madame. E ela não lhe pediu sua pasta.
Puxou a cordinha e atravessou o ônibus, ainda lotado, para descer. Caminhou dois quarteirões até a repartição. Trinta e seis degraus. Os bom-dia de sempre. O birô. Dez horas da mesma coisa.
Os boa-noite de sempre. Trinta e seis degraus. Dois quarteirões até chegar à parada. A senhora com cabelo (e cara) de poodle que não lhe pediu sua pasta. Parou perto de casa. Olhou o relógio. Dois minutos e meio para a padaria fechar. Preciso. Entrou em casa. Jantou e foi ao banheiro. Pasta e escova de dentes. Três bochechadas do lado esquerdo. Três no direito. Ajoelhou-se ao lado da cama. Agradeceu o dia que tivera, o trabalho, a refeição, por estar vivor, enfim. Terminados os agradecimentos, deitou-se.
E dormiu.

Acordou. Levantou-se e foi beber água. Foi ao banheiro e escovou os dentes. Urinou sem levantar a tampa do vaso. Tomou banho e foi esperar o ônibus. Olhou o relógio. Três minutos antes do ônibus passar. As pessoas na parada lhe olharam espantadas. Algumas apontavam e riam, cobrindo a boca, disfarçadamente.
Entrou no ônibus e procurou seu lugar ao lado da mulher-poodle e lá instalou-se. Viu a cara de espanto que a mulher fez quando olhou para ele. O desconforto dela era visível. Não levou um minuto até que ela se levantasse e saísse, praticamente, o atropelando.
Iria para o trabalho sentado. Não entendia o porquê, mas, estava satisfeito, assim mesmo.
Levantou-se quando chegu à sua parada e, supresa, não foi difícil chegar até à porta. Era como se as pessoas que lá estavam abrisse caminho para ele. Lembrou o Mar Vermelho.
Dirigiu-se para a repartição e observava, curioso, o espanto das pessoas que o viam. Não entendia, mas, continuava andando. Os bom-dia de sempre. Sem respostas. Trinta e seis degraus e expediente.
Terminando-o, a volta para casa repetia a manhã. Desceu perto de casa. Olhou o relógio. Um minuto e meio para a padaria fechar. Entrou e pediu. A moça lhe olhou estranho - Algo errado? - não resistiu - tem, por acaso, alguma ferida cheia de pus na minha cara? - levantou a voz.
- Não, senhor - e baixou a vista.
Chegou em casa, deixou o pacote dos pães em cima da mesa e foi diretamente para o quarto. Abriu a porta do guarda-roups e olhou o espelho grande pendurado. Estava completamente nu. Não tinha a menor idéia de como não havia percebido antes.
Caiu na cama atordoado e dormiu.

Acordou e levantou-se. Foi ao banheiro e olhou no espelho. Pegou o barbeador e percebeu que não tinha mais olheiras. Decidiu tirar a barba e assim o fez. Ajeitou o cabelo e saiu.
Estava sem roupa e sabia.
O lugar da poodle estava vago e ele sentou.
Levantou e esperrou que o corredor se abrisse para a sua passagem.
Bom dia, chuchu e como vai, amoreco?, no lugar dos bom-dia e silência.
Fim do expediente e até amanhã, queridas.
Ria alto e contava piadas para ninguém específico, no ônibus.
Beijou no rosto a moça da padaria.
Dormiu feliz.

Três dias de felicidade.
Sobe no ônibus.
Surpresa.
A poodle sentada.
(Não parecia poodle desse ângulo)
Sem roupa.
Senta ao seu lado.
Conversam.
E riem.
E coram.
E choram.
E param.
E beijam.
E calam.

Um comentário:

Ju Azevedo disse...

Meu preferido até agora.