RETRÔ
(Para ouvir junto: Valsinha - Chico Buarque / A Noite do Meu Bem - Elis Regina.
C'est pour Toi qui sais le Français: La nuit de mon amour - Elis Regina)
C'est pour Toi qui sais le Français: La nuit de mon amour - Elis Regina)
O dia estava ensolarado. Mas, o céu parecia mais azul que o normal. Olhou-se no espelho e percebeu como a moldura de madeira colonial caía bem em seu rosto. Lembrou o retrato que os pais tiraram no dia do casamento. Pendurado na parede, em frente à porta, saudavam-no todas as vezes que ele entrava na casa que eles haviam lhe deixado. Passou a mão pelos cabelos repartidos. Deu mais uma alisada no bigode que cultivava desde que as primeiras penugens começaram a aparecer. Mais uma acertadinha no nó da gravata.
Chegou à porta. Ouviu o barulho do bonde quando estava começando a descer o pequeno lance de escadas que separava a porta do casarão da rua. Pensou em correr para pegá-lo, mas, desistiu. Hoje seria tudo à moda antiga. Cruzou com o vizinho. Acenou-lhe com o chapéu. Perguntou-lhe pelas crianças. Estavam bem.
Caminhou um pouco. Mas, não tinha problemas. Não hoje. Chegou à alfaiataria. Iria experimentar a farda de gala. Estava tudo pronto para a noite?, perguntava o alfaiate. E estava. Tudo pronto. Os amigos já estavam com as músicas preparadas. Essa noite, a cidade ouviria a mais bela de todas as serenatas. Cantaria à cidade o amor que tinha por ela. Finalmente poderia fazer isso. Depois de tantos anos... Seus pais ficariam orgulhosos de vê-lo entrando na Igreja vestindo o traje imaculadamente branco, dizia o alfaiate. Sim. Eles ficariam.
Teste concluído. Agora, encontrar os músicos para a noite. Está tudo pronto, eles diziam. As músicas escolhidas, os violões afinados. Só é preciso tomar cuidado com o pai da noiva. e as risadas ecoavam no salão. Nada pode dar errado.
A noite chega. Os boêmios dirigem-se à casa da homenageada. Os violões começam a soar. As vozes começam a cantar que, assim como Dolores Duran, querem a rosa mais linda que houver e aprimeira estrela que vier. Só para enfeitar a noite do Meu Bem. Ela veio à janela. E a abriu. Da sacada o seu sorriso brilhava mais que a lua. O colo, emoldurado pelo decote do vestido, mostrava-se de um jeito que, há muito tempo não ousava estar.
Fechou a janela. Alguns instates e a porta da frente estaria aberta. Os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar. Cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar. E valsaram. Valsaram por toda a noite. Sentiram as primeiras gotas de orvalho a molhar as flores. E juntos permaneceram mesmo depois que os músicos se foram. Não iriam se deixar mais. Nunca mais.
A Igreja estava repleta de flores. Como a sua mãe disse que estaria. Ele aguardava ansioso. A farda estava impecável. Os amigos todos lá. Ela chegou. E fulgurava. Ele mal continha a emoção. Uma lágrima escorreu de seu olho esquerdo. Naquela noite tiveram a certeza de que estariam sempre um com o outro.
Bateram à porta do casarão. Ela foi abrí-la. Era o melhor amigo dele. Estavam juntos desde que entraram na Armada. O que aconteceu?, o semblante dele falava tudo. Ela sabia. Ela sabia que aconteceria. Ele não podia ter ido. Ele jurou por tudo o que havia de mais sagrado que não iria. Ele se foi para impedir que a liberdade do nosso povo fosse tirada pelos inimigos da Pátria. Que me importa a pátria? Que me importa se o povo dessa maldita pátria não quer ser livre? Agora ele não está mais comigo. Ela não sabia o que pensar. Ela não sabia o que dizer. E dizia tudo ainda assim. E pensava tudo ainda assim.
Voltou à praça. A praça onde valsaram. Já não tinha o mesmo sabor daquela noite. Pôs a mão sobre o ventre e chorou. Chorou enquanto dizia que ele se chamaria Rócio. Como o seu pai. Como o orvalho que caíra naquele momento em que ela percebeu que os dois eram, irremediavelmente, apensa um.
22 comentários:
Eu, realmente, queria saber em que vc se inspirou para escrever esse texto!
Nem uma dica concreta, td muito rebuscado. Isso me causou no mínimo curiosidade. Mas tambem teve um manifesto de certos sentimentos...
;(
também*
ban_Pude visualizar com detalhes essa trágico-romântica história. E a escolha das músicas de fundo foi perfeita. A parte parafrasiada de uma das músicas me chamou a atenção!
mais uma vez um presente pra os leitoresdo seu blog!
xero!
Que conto! Eu segui o conselho de lê-lo escutando as músicas... Dá um quê a mais, toda uma atmosfera...
Nossa, faltam-me palavras para comentar tal escrito. É de uma criatividade tamanha, uma sentimentatilade... Qualquer que tenha sido a fonte de inspiração, ela funcionou...
Toc Toc
Vou dormir e amanhã leio!
Ieieerrrrrrrrr...
Plowft...
*(Bato a porta e saio)
Pedro, primera vez que você escreve... fico muito feliz que você tenha gostado. Receber elogios de alguém com tamanha sensibilidade sempre faz bem.
♥ ♦ ♣ ♠ O Baralho ♠ ♣ ♦ ♥, amanhã, pode entrar de novo... e não precisa nem bater à porta. Ela estará sempre aberta.
Hugo, a inspiração é a que te servir quando você ler. Se você gostou, tanto faz o que me inspirou. Importa o que o conto te fala.
Debrinha... também adoro a Valsinha. E ela é completamente retrô, né?
Tem mais coisa retrô que eu queria colocar no texto, mas, não dava, então, vou colocar aqui nos "Extras":
Geladeira vermelho: retrô demais. Eu quero uma em casa.
Pingüim em cima da geladeira vermelha: muito mais retrô que a geladeira sozinha.
Escrever/Receber cartas: é delicioso. Estou devendo cartas a um monte de gente.
Rituais: quanto mais complexos melhor.
Bala "Xaxá" de banana: pagaria 5 reais por uma delas.
Tenho certeza que a lista é maior, mas, não tou lembrando de mais nada. E tou com sono. Então, por esses dias eu volto prá escrever as outras bobagens que eu gosto.
Abraços!
Há palavras lindamente encadeadas só esperando que venha o poeta e as revele ao mundo.
"Penetra surdamente no reino das palavras. / Lá estão os poemas que esperam ser escrito. / Estão paralisados, mas não há desepero, / há calma e frescura na superfície intata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. / Convive com teis poemas antes de escrevê-los. / Tem paciência, se obscuros. Calma se te provocam. / Espera que cada um se realize e consuma / com seu poder de palavra/ e seu poder de silêncio. [...]
Chega mais perto e contempla as palavras. / Cada uma/ tem mil faces secretas sob a face neutra / e te pergunta, sem interesse pela resposta / pobre ou terrível, que lhes deres: / "Trouxeste a chave?
(Procura da poesia - Carlos Drummond de Andrade)
Poeta e amor de minha vida.
Cada vez melhor.
Arrancado-me lágrimas com clichês. Quem transforma cichê em poesia tem o dom de se perder na vida de forma certa, envolvido em aura de poesia.
Nanditoooooooooo:
Não vou poder ler seu texto agoras pq estou correeeeeeendo, só pra variar... Mas amanhã eu volto.
Vim cá te dizer que quero te mostrar muito de Sampa, sim!! Vem pra cá, homem, que vc vai até gostar desta louca cidade!
Bjs e bjs e bjs!
Lu
P.S.: hj yem a parte 1 do LuauMTV com seu xarááááá! 21horas, tá?
Tô baixando as músicas pra poder ouvir enquanto leio! Depois faço um cometário completo!
Lu Longo pediu que eu te ajudasse a colocar "links favoritos" no seu blog, mas vejo que já conseguiu, né?
Bjs!
Não li com as músicas, mas me emocionei...
FerNandito, cada vez melhor!!! Fico ansiosa pelos próximos...
Amo tu! tanto...
Nandito do meu coração cheio de saudades de tu:
Ai que tu tá cada vez melhódibão!!!
Adorei de montão!
Parabéns pelo texto, emu artista das letras!!!
Bjs e bjs!
Boa semana!
Lu
Você tá ficando bom nisso hein nego!!!
Precisar de um editor já sabe!!!
Só uma dica (eu tenho que ser o chato da história)a parte do encontro dos dois podia ser composta por frase maiores. Elas dão um ritmo diferente aos textos. Com elas o tempo fica mais looooooongo.
Mas é apenas o comentário de um velho PETULANTE!!!
Abraços
Agora sim! Li com as músicas! realmente, dão um toque especial! Belo texto, bela trilha sonora! Muito lindo e emocionante!!!
Vou esperar pelas próximas "besteiras".
Bjs!
Concerteza foi inscrito plenamete...
Foi uma coisa sincera e cheia de sentimentos.
[... só q ...]
Mas seria errado criticar um texto desses.
=]
Hugo, pelamordedeus, errado é não criticar. Fale tudo. O que você gostou e o que não gostou. Isso é muito bom prá mim.
Depois de um fim-de-semana acampando na praia, estou de volta. Escrevendo.
Abraços a todos!
Rocio. Róseo. Roxo. Rosso. Russo. Rubro.
Eu na pele dela, suicidava.
Tantos detalhes pitorescos.
Bixinha, e agora?
Tive dó dela.
Pátria anal.
♥ ♦ ♣ ♠
Toc toc...
{Não posso evitar, é hábito...
Vamos dar uma jogadinha?}
*A Dama acaba de entregar-lhe todas as cartas de copas.
Maravilhoso, nobre cavaleiro, maravilhoso! ☻
Parabéns...
{Subo na mesa e grito 'SEIS'!
7 ♥ é o zap, meu bem!}
Embaralhei-me...
PLAFT POAW!!! [Saí correndo e bati a porta!]
♠ ♣ ♦ ♥
Ói, o blogger dedurou mais um. Dessa vez não fui eu.
Vir aqui e contemplar suas palavras me faz muito bem!!
Esse texto é lindo...
Parece que vc está alimentando direitinho a sua poesia!!
Estive aqui...
bjos
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